Processo de maturação cerebral na infância
A maturação cerebral assenta em progressivas alterações do sistema nervoso central. Das inúmeras alterações cerebrais que ocorrem ao longo da infância centrar-nos-emos nas relativas ao córtex pré-fontal. A noção de maturação nervosa é uma das mais fundamentais para se explicar o processo de aprendizagem. Esta maturação é progressiva, torna cada vez mais refinada e as capacidades executivas possibilitam uma aprendizagem mais eficiente. Os neurónios são dotados de extensa plasticidade e adaptabilidade, sendo os grandes responsáveis pelos sistemas de informação e de comunicação humana, para o efeito precisam de estar maduros e esta maturação depende do processo de mielinização que acontece ao longo do tempo, de modo que diferentes neurónios mielinizam em momentos distintos do desenvolvimento.
O córtex pré-frontal, conhecido como o centro executivo, onde acontece o planeamento, a organização, responsável pelas nossas vontades e desejos e pelo comportamento social, é a última área a ser mielinizada na região frontal. Possui uma maturação mais lenta e que ocorre de forma progressiva até aproximadamente os 18 anos. Diferentes princípios orientam a progressiva organização e o desenvolvimento do sistema executivo - interconexão de sistemas, a maturação e aprendizagem - condicionam fortemente e possibilitam o desenvolvimento das funções executivas.
As teorias do desenvolvimento das funções executivas ao longo da infância têm privilegiado o desenvolvimento das funções executivas cognitivas. Diferentes modelos conceptuais convergem na constatação de que as mesmas desenvolvem-se de modo progressivo e sequencial durante a infância e a adolescência. Apresenta-se, de seguida, uma síntese das principais funções executivas adquiridas por faixa etária.
Na Primeira Infância (0 aos 3 anos): Algumas investigações concluem que as funções executivas iniciam-se na primeira infância e não apenas nos anos pré-escolares. Até aos 3 anos de idade a maturação das áreas de associação (áreas terciárias) ainda não está completa. A área pré-frontal, responsável pelas funções executivas, ainda não está totalmente mielinizada, podendo por em causa a organização e o planeamento de tarefas bem como as capacidades atencionais, uma vez que a região pré-frontal é importante para a atenção. Ainda incipente a área pré-frontal dificulta a manutenção da atenção de forma que a criança não consegue inibir estímulos irrelevantes acabando por tornar-se distraída.
Idade Pré-escolar (3 aos 5 anos): O período pré-escolar é caraterizado pelo desenvolvimento significativo do córtex pré-frontal, contudo pode esperar-se que as habilidades relacionadas com a tomada de decisão ainda não estejam completamente desenvolvidas na infância. É possível observar importantes diferenças na resolução de tarefas, de flexibilidade cognitiva, que exigem inibir respostas anteriores quando surge uma nova regra, da mesma forma denota-se também uma evolução ao nível da memória operativa entre os 3 e os 5 anos de idade. Relativamente às funções executivas emocionais, as crianças de 3 anos tendem a apresentar menor domínio sobre o seu próprio comportamento e escolhas, do que as crianças de 4 anos, embora sejam capazes de perceber as vantagens da opção de não as escolher.
Idade Escolar (dos 6 anos à adolescência): a partir dos 7 anos observa-se uma falta de inibição, que depois vai atenuando. A capacidade para inibir a atenção a estímulos irrelevantes e de inibir respostas de perseveração torna-se adquirida entre os 10 e os 12 anos. O desempenho em duas tarefas de flexibilidade cognitiva e de planeamento melhora entre os 6 e os 8 anos, atingindo o nível dos adultos por volta dos 10 anos. No domínio das funções executivas emocionais, crianças com 6 anos fazem escolhas de forma mais vantajosa do que crianças de 3 e 4 anos no que concerne a escolhas do domínio afetivo. Só por volta dos 17 anos é que se observa a estabilização do desempenho nos níveis do adulto, o que sugere que o desenvolvimento das funções executivas emocionais ocorre ao longo do tempo escolar e da adolescência. Nesta idade, há uma maturação progressiva da região pré-frontal, o que permite um melhor planeamento das tarefas bem como uma maior capacidade de concentração.
Em suma, durante os primeiros anos é possível observar em crianças comportamentos que indicam algumas habilidades cognitivas que integram o desenvolvimento das funções executivas, ainda que nesta fase o controlo executivo seja ainda muito incipiente. Parece que a idade de 12 anos é considerada o período no qual ocorrem mudanças significativas na evolução destas funções.
Estudos sobre a avaliação neuropsicológica de funções executivas têm demonstrado que pode não existir uma uniformidade no desenvolvimento dos diferentes componentes das funções executivas. Entre estes, destaca-se a capacidade de planeamento e de organização (associada à capacidade para estabelecer objetivos e os passos necessários para alcançá-los, envolvendo a programação e antecipação de eventos, suas consequências e a monitorização de ações) e a capacidade de elaborar estratégias cognitivas para a resolução de problemas. Esses processos elaborados necessitam a participação de um elemento específico, o executivo central da memória de trabalho intimamente relacionado com o componente atencional. Além desses componentes é fundamental a capacidade de mudar ou alternar os objetivos para adaptação a situações novas ou imprevistas e a monitorização de diferentes soluções para as mais diversas situações, esta habilidade designa-se de flexibilidade cognitiva.
A atenção e a memória tornam possível uma série de outras aprendizagens e encontram-se associadas a atividades percetivas, cognitivas e motoras. As dificuldades atencionais implicam danos na aprendizagem da linguagem, da escrita e das capacidades motoras. As capacidades de focalização dos estímulos relevantes e a capacidade de inibição dos estímulos irrelevantes ou interferentes, são fatores críticos para a cognição. As falhas em responder apropriadamente aos estímulos podem resultar de um défice da atenção sustentada, bem como das dificuldades em inibir uma resposta.
No que concerne a alterações neuropsicológicas das funções executivas, centramo-nos na perturbação da hiperatividade e défice de atenção (PHDA) e a perturbação de oposição e desafio (POD). As funções executivas desempenham um papel primordial na regulação do comportamento, abrangem um conjunto de processos psicológicos responsáveis pela adoção de uma conduta eficaz e socialmente aceitável em função dos estados afetivos e motivacionais, através da capacidade de inibição e controlo de respostas comportamentais. São ainda responsáveis pela gestão da atenção, na sua relação com os dados externos (canalizados pelos órgãos sensoriais), dados internos (canalizados pelos órgão interoceptivos), e com a execução comportamental, num esforço constante de monitorização e ajuste entre o input e o output.
Ainda que às crianças com POD são associados défices nas competências verbais e nas funções executivas, a atenção é a que se encontra menos associada à POD. Todavia os problemas de atenção parecem ser determinantes na agressividade juvenil, um dos comportamentos dos jovens com esta perturbação. Porém, os problemas de atenção encontram-se, usualmente, associados a comportamentos hiperativos e impulsivos, sendo, por isso, difícil de compreender se os défices encontrados devem-se à PHDA ou à POD.
O domínio neuropsicológico mais estudado na POD refere-se às funções executivas, nomeadamente o planeamento e o controlo inibitório, por estarem relacionados com as perturbações disruptivas do comportamento. Sugere-se que as funções executivas constituem uma área onde as crianças com POD destacam-se por resultados inferiores, com maior incidência na flexibilidade cognitiva a qual se reflete no facto de demorarem mais tempo na resolução de problemas que exigem esta competência, devido ao facto de cometerem mais erros na sua execução. Isto porque apresentam ainda um défice na capacidade de planeamento, monitorização e autorregulação. Da mesma forma que o maior número de erros cometidos traduzem-se em impulsividade e falta de planeamento, devendo-se também um défice na atenção seletiva e sustentada, levantando a hipótese de haver interferências de comportamentos impulsivos, uma vez que os problemas de atenção surgem, usualmente associados à impulsividade.
Percebemos que os processos de tomada de decisão requerem a implicação da memória de trabalho, a capacidade de processar estímulos presentes na tarefa, a capacidade para recordar experiências anteriores e antecipar as possíveis consequências das diferentes opções. Tais capacidades envolvem diferentes componentes executivos, como por exemplo, a memória de trabalho, o planeamento e a atenção, maioritariamente comprometidos quer na PHDA como na POD, embora o componente executivo da atenção encontre-se em défice maioritariamente na primeira do que na segunda. Postula-se que ambas apresentam alterações neuropsicológicas nível do córtex pré-frontal, mais especificamente da região orbitofrontal (responsável pelo processamento emocional e pela tomada de decisões associadas aos marcadores somáticos e emocionais) e da região dorsolateral (desempenha um papel fundamental na memória operativa e executiva a curto prazo, na concentração e atenção seletiva, (i.e., capacidade para mudar o foco atencional), raciocínio abstrato (i.e., formação de conceitos), no planeamento e flexibilidade cognitiva (i.e. capacidade para mudar a resposta em função dos resultados) tendo, por isso, as funções executivas uma grande importância quando se pensa fazer reeducação neurocognitiva a crianças com PHDA ou POD.
Considera-se que as crianças com PHDA como as crianças com POD possuem dificuldades na tomada de consciência do seu próprio défice. Estas podem não compreender ordens ou instruções complexas, apresentam dificuldades em inibir respostas impulsivas, dificuldades em planificar as suas atividades diárias e futuras, bem como dificuldades em tomar decisões quotidianas e aprender com os erros. Da mesma forma, guiam-se por consequências imediatas, mostram dificuldades em escolher amigos e companheiros em atividades, são insensíveis a consequências futuras a longo prazo e revelam incapacidade para utilizar as emoções e os sentimentos para conduzir as suas condutas. Posto isto, compreende-se que seja difícil se fazer o disgnóstico diferencial devido à dificuldade em distinguir se tais manifestações comportamentais devem-se a PHDA ou à POD, uma vez que ambas apresentam comorbilidade elevada. Todavia, existem diferenças no funcionamento executivo destas crianças e cada uma delas parece exprimir uma constelação específica ao nível dos componentes executivos. Considera-se também importante ter em conta do fator idade nos processos de maturação e desenvolvimento das funções executivas, uma vez que a idade de 12 anos é considerada o período no qual correm mudanças significativas na evolução destas funções. Sendo a maturação cerebral um processo progressivo que ocorre na interface dos processos neurofisiológicos e da interação ambiental.
Carla Oliveira
Psicóloga | Especialista em Psicoterapia e Neuropsicologia Pediátrica